Luanda – Os países de expressão lusófona, incluindo Angola, assinalam esta sexta-feira, 5, a IV edição do Dia Mundial da Língua Portuguesa, adoptado pela UNESCO, em 2019.
A primeira edição, realizada em ambiente de pandemia da Covid-19, em 2020, permitiu juntar várias personalidades da política, das letras, da música e do desporto, num evento virtual co-organizado pelo Instituto Camões e pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em parceria com a ONU News e a RTP.
O evento contou com testemunhos do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, do Chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, do seu então homólogo de Cabo Verde enquanto presidente em exercício da CPLP, Jorge Carlos Fonseca, além do secretário executivo da organização, Francisco Ribeiro Telles.
Antes do seu reconhecimento pela UNESCO, o 5 de Maio era inicialmente comemorado, desde 2010, como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP.
Esta organização intergovernamental, formada por povos unidos pelo português como um dos fundamentos da sua identidade, oficializou a data, em 2009, para promover o sentido de comunidade e de pluralismo dos falantes do português.
Pretendeu-se, com esse passo, assegurar que os governos e a sociedade civil celebrassem a relevância do idioma como parte da identidade dos povos lusófonos.
Entretanto, em 2019, a data foi proclamada pela UNESCO como Dia Mundial da Língua Portuguesa, com o propósito de chamar a atenção para a importância do multilinguismo e da diversidade cultural, em que o português surge entre as 10 línguas mais faladas no Mundo, com mais de 265 milhões de usuários.
A UNESCO considera a efeméride uma oportunidade para sensibilizar a comunidade internacional para a história, a cultura e a utilização daquela que é a primeira língua mais falada no hemisfério sul do Planeta Terra.
O multilinguismo é visto como uma área de importância estratégica e um factor essencial para uma comunicação harmoniosa entre os povos, promovendo a unidade na diversidade, a compreensão internacional, a tolerância e o diálogo.
E, desde então, várias iniciativas ocorrem em diversas cidades do Mundo, viradas, essencialmente, para a promoção da lusofonia, envolvendo diferentes actores e protagonistas.
Nesse quadro, todos os anos são organizados ciclos de debates sobre temas diversificados, ligados à promoção e difusão da Língua Portuguesa, com apresentação de painéis e discussões em mesas redondas, em formatos presencial e online.
Como complemento, existem espaços de concertos com músicos renomados dos países que compõem a CPLP, designadamente Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe.
Segundo alguns intervenientes, o português continua a revelar-se uma língua de forte projecção geográfica destinada a crescer, com previsão de mais de 100 milhões de novos falantes em 40 anos.
Por isso, a defesa de uma maior internacionalização da Língua Portuguesa tem sido uma constante e transversal aos temas em discussão, uma perspectiva que ganhou novo impulso com o processo de unificação ortográfica, iniciado em 1990.
Hoje “batalha ganha” para uns e “cavalo de troia” para outros, o processo de unificação arrancou sob a designação oficial de novo “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO90)”, assinado, em 16 de Dezembro de 1990, em Lisboa, por todos os sete Estados-membros da CPLP de então.
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São e Tomé e Príncipe são os países signatários, aos quais viria a juntar-se Timor-Leste, em 2009, alguns anos após a conquista da sua Independência da Indonésia.
Estado actual do Acordo Ortográfico
Já a caminho do seu 33º aniversário de existência, o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa conheceu várias vicissitudes nos diferentes países signatários, com algumas correntes a fazerem forte resistência à sua implementação, antes de prevalecer,finalmente, a vontade dos respectivos Estados.
À excepção de Angola e da Guiné Equatorial, todos os demais Estados-membros da CPLP já ratificaram o documento, que veio substituir o Acordo Ortográfico de 1945.
Portugal foi o primeiro país a ratificar o Tratado, em 1991, apesar das hostilidades vividas no início, com alguns sectores da política, da academia, da literatura, da cultura e da imprensa a apelarem para o seu boicote.
Passada a “tempestade”, o convénio começou a vigorar na ordem jurídica lusa, em 2009, com a sua adopção plena no sistema de educação e ensino, nas editoras e imprensa escrita e audiovisual.
Também denominado “Ortografia Unificada da Língua Portuguesa”, o Acordo foi assinado para entrar em vigor, a 1 de Janeiro de 1994, mediante a sua ratificação por todos os países-membros da CPLP.
Porém, tal não aconteceu, uma vez que, até àquela data, apenas Portugal o tinha ratificado.
A situação levou à aprovação de dois protocolos modificativos, para alterar as condições de entrada em vigor e permitir a adesão de Timor-Leste, então saído do jugo colonial da Indonésia, em 2005.
Diante desse cenário, retirou-se a data da entrada em vigor e reduziu-se para três países o número mínimo de ratificações necessárias para a vigência do Tratado, que obteve então luz verde, a partir de 2005, com a ratificação de Cabo Verde, depois de Portugal (1991) e Brasil (1995).
A última ratificação foi de Moçambique, em 7 de Junho de 2012, depois da Guiné-Bissau (2009), São Tomé e Príncipe (2006) e Timor-Leste (2009).
Angola é, actualmente, o único signatário que ainda não ratificou o documento, enquanto se aguarda também pela adesão da Guiné Equatorial, o mais novo Estado-membro da CPLP, desde 2014.
Oficialmente, Angola não se opõe à unificação, mas alguns especialistas defendem haver “alguns pendentes” por se resolver antes da sua ratificação, incluindo questões como a integração de palavras de origem bantu, a “inexistência de vocabulário comum” e a tolerância de variantes do português.
Na constatação de alguns observadores, a problemática da ratificação do Acordo Ortográfico é um assunto que “não despertou grandes paixões” em Angola, com pouco ou nenhum relevo dado à matéria na comunicação social, contrariamente ao cenário emotivo vivido em Portugal, antes e depois da vigência do Tratado.
Em 2010, o país solicitou uma moratória de três anos para concluir o processo, mas ainda não foi feito nenhum pronunciamento oficial sobre o assunto, embora as projecções mais recentes apontem o ano de 2024 como o provável da ratificação.
Diligências feitas pela ANGOP junto do Ministério da Educação, em Luanda, para obter uma informação actualizada e autorizada sobre a matéria, foram infrutíferas.
Sabe-se, todavia, que já foram lançados os trabalhos de elaboração do Vocabulário Ortográfico Nacional (VON) e de terminologia da Administração Pública, segundo a Comissão Multissectorial para a Rectificação do Acordo, mas o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) diz que continua à espera dos resultados.
Enquanto isso, cresce a pressão interna e externa, sobretudo de sectores que apontam “vantagens consideráveis” no AO90, com o qual o país e a comunidade lusófona, em geral, “saem a ganhar”.
Vantagens identificadas
O uso de uma grafia única nos nove Estados-membros da CPLP e a aproximação da língua escrita à falada, pela eliminação das consoantes mudas, estão entre as vantagens da nova norma.
Em Angola, os defensores do convénio admitem que o AO90 facilitará a difusão do português, sobretudo junto da população que o tem como sua segunda língua.
Um dos argumentos tem sido o facto de o novo Acordo priorizar a fonética em detrimento da etimologia, para grafar as palavras tal como elas são pronunciadas, para além de incorporar K, W e Y, para acolher a grafia africana e estrangeira.
Considera-se, pois, que a inovação que amplia o alfabeto português de 23 para 26 letras parece responder melhor às preocupações relativas à grafia de nomes de origem africana com K, W e Y, as três letras excluídas do alfabeto actual.
Todavia, ainda persistem inquietações sobre harmonizar a grafia de alguns nomes próprios, sendo frequentes situações de duas escritas diferentes para a mesma localidade, mesmo quando a lei vigente impõe expressamente a forma latina.
Num passado recente, o país recuou na sua tentativa de substituir a grafia latina pela africana para certas províncias ou cidades, para vincar a ruptura com a memória colonial.
A medida consistiu, basicamente, em trocar as letras C e U, respectivamente, por K e W na escrita de nomes como Cuanza-Sul, Cuando Cubango e Cuito Cuanavale, entre outras, passando para Kwanza-Sul, Kwando Kubango e Kwito Kwanavale.
Porém, tal exercício revelou-se precipitado e desprovido de base legal, por ocorrer sem a correspondente alteração da legislação sobre a matéria, o que implicaria necessariamente modicar o alfabeto oficial.
A solução encontrada foi retornar à “grafia colonial”, que entretanto viria a ser formalmente confirmada, em 2016, mediante medidas legislativas que reconduziram a escrita antiga, pondo fim à “desordem” antes criada.
Desde 2016, vigora no país uma nova legislação que actualiza a base de dados dos nomes de províncias, municípios, cidades, vilas, bairros, aldeias, avenidas, largos, ruas e outros, que determina que os mesmos sejam todos escritos em português, “seguindo a norma latina”.
Com fundamento na valorização do património histórico, paisagístico e cultural do país, a nova lei ressalva, todavia, que, nas “demais línguas de Angola” e nas línguas estrangeiras, os topónimos sejam escritos em conformidade com as suas próprias regras da grafia.
Nas línguas estrangeiras, é igualmente permitido substituir os nomes em causa por formas correntes em português, ou quando entrem no uso corrente da língua portuguesa.
Isolamento internacional
No plano externo, admite-se uma pressão latente sobre Angola, resultante do seu isolamento como o único país signatário da CPLP que ainda não ratificou o Acordo.
Na expectativa de uma maior internacionalização da língua, a Angola são atribuídas “responsabilidades acrescidas”, enquanto segundo maior falante do português, no Mundo, depois do Brasil, e titular da presidência rotativa da CPLP.
Os apoiantes da ratificação consideram que o país “tem negligenciado tais responsabilidades”, a começar pela “persistente ambiguidade e hesitação” em tomar uma posição definitiva em relação ao AO90.
No entender destes, o argumento da necessidade de incluir palavras angolanas de origem africana constitui “um falso problema”, uma vez que essa questão pouco ou nada tem a ver com o Acordo Ortográfico como tal.
Sobre essa questão, o IILP diz, por seu turno, tratar-se de um assunto que “na verdade” é resolvido pelo Vocabulário Ortográfico Comum (VOC), elaborado com base nos vocabulários nacionais dos países.
Disso resulta que a elaboração de listas de palavras africanas a incluir no vocabulário geral em nada impede a ratificação do Acordo, que, pelo contrário, reforça a posição dos países de propor acréscimos no futuro e sempre que necessário.
De acordo ainda com o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, a elaboração dos VON é da exclusiva responsabilidade de cada país, individualmente, antes de se propor a sua inclusão no VOC.
O IILP exemplifica que os vocabulários nacionais de países como Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste já integram, pela primeira vez, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa.
Por isso, o IILP entende que as inquietações levantadas pelos técnicos angolanos foram “há muito ultrapassadas”, incluindo a da inexistência do VOC, instrumento já concretizado e aberto aos vocabulários nacionais de todos os países da CPLP, estando disponível para consulta no seu site oficial.
O parecer oficial de Angola “já foi tido em conta” nos trabalhos técnicos para a composição do VOC, tal como aconteceu com outros países na questão da integração de palavras de origem bantu ou de outras línguas”, explica.
O Instituto diz, inclusive, não haver “quaisquer estrangulamentos e constrangimentos” na aplicação do Acordo Ortográfico, embora reconheça que, como qualquer obra do género, o texto apresenta omissões, porque “não é possível” prever todas as situações.
Trata-se de lacunas que não impedem o avanço do processo, defendem os responsáveis do Instituto que descartam a possibilidade de apresentação de novas “propostas de ajustamentos” ou de reabertura da discussão do tratado depois da sua assinatura.
Mas, com ou sem a ratificação, o certo é que, para alimentar o seu sistema de educação e ensino, Angola continua a depender de livros vindos do Brasil e Portugal, países onde vigora o novo Acordo Ortográfico, situação que “pressiona”, cada vez mais, as autoridades angolanas para se posicionarem em relação à ratificação ou não desse instrumento jurídico da comunidade.