Entrevista à cantora angolana, Yola Semedo (Domingos Cardoso – ANGOP)
Luanda (Angop)– A cantora Yola Semedo afirmou recentemente, em Luanda, que os cantores angolanos precisam de continuar a trabalhar para ajudar a moralizar a sociedade, sobretudo a juventude, sobre a necessidade de se preservar os fundamentos da angolanidade.
Por Vissolela Cunha, jornalista da ANGOP
“Como artistas, também temos a responsabilidade de educar a nossa sociedade, e isso deve ser incutido na mente de todos os que resolveram abraçar a cultura como profissão, porque temos a grande tarefa de educar”, expressou a artista, em entrevista à ANGOP.
Conforme a autora, que abordou nesta conversa sobre as várias etapas da sua carreira, no quadro do mês da Mulher (Março), a cultura é o maior “embaixador” de um país, daí que os fazedores de arte devem contribuir para se formar uma sociedade melhor.
“O que me aflige é o facto de não estarmos a criar mecanismos que possam, realmente, passar os valores que devemos deixar aos mais novos, até porque, com a globalização, é muito mais fácil absorver tudo de fora e esquecermos da nossa própria matriz”, expressou.
Yola Semedo advertiu, a esse respeito, que se essa tendência continuar os angolanos podem perder a sua essência, ou seja, os fundamentos da sua cultura, que é o que de melhor têm.
Durante a entrevista, a autora de “Marido Infiel”, “Mar Azul” e “Don’t Doubt” fala sobre a emancipação da mulher angolana, sobretudo das cantoras, afirmando que esse grupo social precisa de continuar a lutar para deixar de ser relegado para uma função subalterna.
“Como angolana, tenho a responsabilidade de dignificar a matriz da mulher angolana”, afirmou a cantora, que reconheceu, por outro lado, não ser digna do estatuto de “Diva da Música Angolana”.
“Uma Diva é uma Deusa e eu não me sinto ainda digna de ter tal título. Agradeço pelo carinho, porque mostra, realmente, que a minha sociedade gosta do que faço, respeita o meu trabalho. Tudo o que quero fazer é deixar o meu legado”, justificou a artista.
Eis na íntegra a entrevista:
ANGOP – Queira, antes de mais, aceitar os nossos agradecimentos pela disponibilidade para essa entrevista. Para começo da conversa, Yola Semedo é autora de várias canções de sucessos e referência da música angolana. Pode, em poucas palavras, dizer-nos qual tem sido o segredo da sua carreira?
Yola Semedo (YS) – São anos de trabalho, que me deram a oportunidade de arrecadar alguma sabedoria, para tentar passar um pouco da nossa musicalidade. Entendemos que temos a grande responsabilidade de contribuir, de forma positiva, para o crescimento da nossa cultura, em concreto da música angolana. Deixamos fluir, deixamos a vida quotidiana tomar conta das nossas inspirações e pedimos a Deus para dar-nos a graça de criar músicas e melodias que possam contar um bocadinho da história de Angola.
ANGOP – Conta-nos um pouco da sua trajectória artística.
YS – Faço parte de uma família de músicos desde que lembro ser gente. Via o meu pai com uma guitarra na mão, ouvia a minha mãe cantar e via os meus irmãos cantarem. A música faz parte do espaço familiar.
ANGOP – A Yola surgiu no mercado quando tinha, aproximadamente, sete anos de idade. Este início de carreira, ainda criança, não atrapalhou os seus estudos?
YS – Crescemos habituados a conciliar tudo: a escola, a convivência com os amigos, a vida social e a música. Nunca atrapalhou, pelo contrário, ajudou a sermos melhores alunos.
ANGOP – Diz-se que quando pisou o palco, pela primeira vez, foi ajudada por uma prima, e a ideia era acalmar os nervos. Quer partilhar essa história com os seus fãs?
YS – A primeira vez que subi para o palco tinha sete anos de idade, no Cine Arco-íris, no Lubango, província da Huíla, para cantar a primeira música que o meu pai me havia ensinado, intitulada “Minha boneca”. Estava tudo ensaiado e seria a minha primeira aparição pública. Deixa contar-vos que, sempre que fossemos ao Lubango, ficávamos em casa de parentes, e naquele dia estávamos na casa da minha tia Nené, minha tia de parte de mãe, e a minha prima, que é mais ou menos da mesma faixa etária, viria ao palco comigo entregar-me uma boneca no momento em que estivesse a cantar a boneca. Ensaiamos dia e noite, mas no dia marcado eram tantos olhos sobre nós, que não consegui cantar a música e ela não conseguiu entregar-me a boneca. São memórias que levo para o resto da vida, vou falar, vou dizer aos meus filhos e todos aqueles que quiserem ouvir um pouco da minha estória.
ANGOP – Depois de consolidar-se no mercado, como integrante dos Impactos 4, como surgiu a ideia de iniciar a carreira a solo?
YS – Não foi nada fácil. Faço parte de uma família de músicos e tudo em torno da tradição familiar rodava à volta da nossa musicalidade. Como nos comportamos, como lidarmos com a sociedade, era tudo à volta da música. Por causa disso, havia uma protecção maior, porque era a mais nova do grupo. Deixamos a música quando fomos para a Namíbia, porque na altura os meus irmãos mais velhos já tinham famílias e o que se ganhava com a música não era suficiente para darem de comer às famílias. Para fazer face às despesas, tiveram que desligar um bocadinho da música, mas eu continuei. Foi assim que surgiu a oportunidade de gravar um CD a solo, a convite do Heavy C.
ANGOP – Já leva mais de 30 anos de carreira, que muitos críticos de arte consideram de sucesso. Particularmente, quando olha para trás, que balanço faz da sua actividade?
YS – O balanço é positivo, mais por ter crescido na música e ter tido a arte como base. Com ela, aprendi a levar um dia de cada vez. Tudo o que faço é um trabalho digno para que todos vocês possam orgulhar-se da Yola Semedo, como artista e como mulher, porque tenho a responsabilidade de dignificar a matriz da mulher angolana. Pelo menos tento, ninguém é perfeito, mas tentamos, através dos ensinamentos que recebemos de vocês, melhorar a nossa postura, empatia e o amor ao ser humano. É positivo, porque tudo que é vida quotidiana carrego para a minha musicalidade, tudo que é a minha musicalidade carrego para a minha própria vivência.
ANGOP – Quando ganhou o estatuto de “Diva da Música Angolana”, pela qualidade das suas canções e pela influência que exerce junto dos seus fãs, o que lhe veio à cabeça?
YS – Desde já, agradeço-lhes por esse título, que é uma responsabilidade muito grande, até porque uma Diva é uma Deusa e eu não me sinto ainda digna de ter tal título. Agradeço pelo carinho, porque mostra, realmente, que a minha sociedade gosta do que faço, respeita o meu trabalho. Tudo o que quero fazer é deixar o meu legado. Sinto-me um ser humano com a sorte de ter nascido com um dom e ter tido os pais que tenho, que me ajudaram a desenvolver esse dom para o talento e cair na graça da nossa gente.
ANGOP- A aposta pela música terá sido a melhor solução para o seu projecto pessoal, tem essa convicção?
YS – A música foi impingida desde pequena, faz parte do meu ADN. Cresci a ter a música como uma forma de sustento, de viver. Acredito que sim, os números falam por si. Modéstia à parte, somos milhares de seres humanos com a sorte de poder passar por uma esquina e ser respeitados pela nossa gente. Creio que foi sim um passo acertado.
ANGOP – Qual tem sido a fonte de inspiração para o seu trabalho?
YS – A música em si deve ter longevidade, servir de referência para as nossas próprias vivências. As músicas que realmente ficam por muito tempo são aquelas levadas para a vida de quem está a ouvir. É, precisamente, isso, a vida quotidiana, a verdadeira fonte de inspiração e o que pode ajudar a minha sociedade a ser mais alegre no seu dia-a-dia.
ANGOP – O que gostaria de ter feito e ainda não conseguiu?
YS – Cada fase teve o seu momento. Não é muito correcto, acredito, dizermos que hoje a nossa vida está mais facilitada ou mais difícil, porque em outro momento também tiveram os seus problemas e as suas valências. O que posso dizer é que, com a globalização, tudo está a acontecer muito rápido. O que me aflige é o facto de não estarmos a criar mecanismos que possam passar os valores que devemos deixar aos mais novos, porque, com a globalização, é mais fácil absorver tudo de fora e esquecermos da nossa própria matriz. Se continuar assim, vamos perder a nossa cultura, que é o que de melhor temos.
ANGOP – Tem algo que tenha errado do qual se arrepende?
YS – Nada, porque acredito que o ser humano está formatado para celebrar as glórias, e tudo que é negativo serve para educar-nos mais. Então, até os meus erros aconteceram, porque deviam ter acontecido, para que me tornasse uma mulher mais forte.
ANGOP – Durante a sua trajectória musical, qual foi o momento em que percebeu que deveria abordar, nas suas letras e canções, o tema mulher na sociedade?
YS – Hoje, como mulher madura, e o facto de escolher levar a vida um dia de cada vez, entendo que fazer escolhas para o futuro é quase como ter a carroça à frente dos bois. Tudo o que quero é que Deus me dê força e saúde para concretizar o que ele tem como plano para mim.
Não sou aquele tipo de ser humano que sonha muito rápido, sem poder concretizar os sonhos que tinha antes. Quero estar viva e poder viver um dia de cada vez.
ANGOP – Qual é o maior desafio para si, como mulher?
YS – Cresci a ouvir vários estilos de música e, por ter uma mãe que sempre teve que lidar com a educação, porque a minha mãe foi professora e o meu pai seminarista, sempre tivemos o cuidado de cantar o que era, supostamente, politicamente correcto. Entendemos que fazemos parte de uma sociedade e cada um de nós tem a sua responsabilidade dentro desta mesma sociedade. Como artista, também temos a responsabilidade de educar a nossa sociedade, e isso deve ser incutido na mente de todos os que resolveram abraçar a cultura como profissão, porque temos a grande tarefa de educar a sociedade. A cultura em si é o maior embaixador que um país pode ter, então, resta-nos, como fazedores de cultura, dar o nosso contributo e trazer o melhor possível e o positivismo para a nossa sociedade. Com a globalização, tudo vai mudando, tudo que é tecnológico acaba também por influenciar nas nossas músicas. Antes tínhamos o privilégio, por exemplo, de usar instrumentos tradicionais físicos, mas hoje, num computador, conseguimos tirar a mesma sonoridade.
ANGOP – Mudando de assunto, como caracteriza a actual situação da mulher em Angola, particularmente das artistas?
YS – A actual situação da mulher angolana não é assim tão diferente do que era antes. Posso apenas dizer que a mulher angolana, por natureza, é guerreira, a mais batalhadora do mundo. Falo isso, porque vejo com os próprios olhos, não posso falar das outras sociedades. A mulher angolana sempre mostrou que é capaz de ultrapassar todas as dificuldades, e, apesar dos receios, é capaz de tornar possível que outros seres humanos tenham uma vida melhor. Por natureza, somos mais fragilizadas, algumas até submissas demais, mas cada uma tem a sua forma de ser, a sua forma de viver. É notório que as coisas vão mudando, as mulheres vão se destacando mais na sociedade, e espero que assim continue, porque temos muito para dar.
ANGOP – Acha que são as mulheres que, algumas vezes, não sabem lutar pela conquista dos seus direitos?
YS – Não é fácil ser mulher, especialmente no nosso país. Gostaria muito de poder comparar, mas não posso, porque também não sei o que é ser homem. Só posso dizer que não é fácil ser mulher, mas, gosto de ser mulher, gosto de todos os desafios que a vida me proporciona, até porque sabemos que temos a grande tarefa de ser mãe da família, de ajudar a educar a nossa família, de trazer o melhor valor que temos e, ao mesmo tempo, temos que aprender a existir como artista, como alguém que tem também obrigação de fazer pela sociedade, educar a sociedade. Fui criada e formatada para hoje dar resposta a tudo o que Deus me dá.
ANGOP – Que mensagem quer deixar para todas as mulheres?
YS – A todas as mulheres desejo muita paz, muito amor e que todos possamos reflectir sobre a nossa vida quotidiana, sobre o que podemos fazer para melhorar as nossas vidas e o país.
Perfil
Yola Semedo é uma intérprete, compositora, produtora, nascida a 8 de Maio de 1978, na província de Benguela. A sua carreira musical começou em 1984, no grupo musical Impactus 4 criado, criado juntamente com os seus irmãos. Fez a sua primeira aparição no cinema Arco Íris, na província de Huíla, cantando a música “A minha boneca”.
No ano de 1990 emigrou, com a sua família, para a Namíbia, onde viveu até 2005. A sua carreira “decolou” em 1995, quando ganhou o prémio de Voz de Ouro de África.
É uma das artistas angolanas mais premiadas de sempre e foi a grande vencedora dos Angola Music Awards 2015, ao conquistar quatro prémios: “Melhor Álbum do Ano”, “Melhor Artista Feminina”, “Melhor Semba” e “Melhor Kizomba”.
Autora e intérprete de kizomba, semba e zouk, Yola Semedo apresenta-se também com outros estilos musicais. Conta com vários álbuns no mercado. VS/ART/VM